segunda-feira, 30 de junho de 2014

Uso e ocupação dos Manguezais da área urbana de Ilhéus


Revista da Gestão Costeira Integrada #(#):#-#8 (2010)
Número Especial 2, Manguezais do Brasil (2010)
Journal of Integrated Coastal Zone Management #(#):#-#8 (2010)
...em inglês...

Uso e ocupação dos Manguezais da área urbana de Ilhéus: Uma abordagem histórica e sócioambiental

Use and occupation in the Mangrove of the Ilhéus urban area - Bahia: A historical and social - environmental approach

Ana Maria Souza Santos Moreau [1]; Jemima Bonfim Hora [2]; Raul Reis Amorim [2]; João Carlos Ker [1]; Felipe Haene Gomes [3]; Mauricio Santana Moreau.


[1] Professores do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais (DCAA) da UESC (email: amoreau@uesc.br e mmoreau@uesc.br) e do Departamento de Solos da UFV (jcker@solos.ufv.br), respectivamente. [2]  Bolsistas de Iniciação Científica da FAPESB e graduandos em Geografia da UESC (reisraul@uol.com.br). [3] Doutorando do Curso de Agronomia da ESALQ.

RESUMO

Objetivando identificar o histórico de ocupação de manguezais da área urbana de Ilhéus (Bahia), bem como, o nível da antropização dos mesmos, cinco bairros instalados em manguezais do município foram selecionados, onde se aplicou um total de 139 questionários com ítens referentes a saneamento básico, condições de moradia, uso do manguezal, carências locais e doenças mais freqüentes. Os resultados obtidos indicaram que, inicialmente, as áreas de manguezal eram ocupadas por pescadores e catadores de mariscos. A partir da década de sessenta, a expansão urbana desordenada e a crise da lavoura cacaueira geraram um alto fluxo migratório em direção a Ilhéus, e assim, com a dificuldade de aquisição da casa própria e o alto custo dos aluguéis, a população passou a invadir e aterrar as áreas de manguezais. Identificaram-se como principais impactos ambientais o desmatamento, construção de aterros sanitários, contaminação e poluição por despejo de lixo e esgoto doméstico com conseqüente diminuição no número de caranguejos e peixes. Apenas no Teotônio Vilella e Vila Nazaré registrou-se a presença de famílias que praticam a catação de caranguejos e mariscos como atividade de subsistência.

Palavras-chave: Manguezal, manguezal de área urbana, impacto ambiental.

ABSTRACT

Aiming to identify the occupational history of the urban area mangroves in Ilhéus (Bahia), as defined by the level of anthropization, five neighborhoods located within mangroves were selected, where a total of 139 questionnaires were filled out with items referring to basic sanitation, living conditions, mangrove use, local shortages and the most common sicknesses. The results indicate that, initially, the mangrove areas were occupied by fishermen and shellfish gatherers. Starting in the 1960s disorganized urban expansion and the cacao farming crisis generated a high migratory influx towards Ilhéus. Because of the difficulties involved in acquiring private housing and the high local rents, the population began to invade and level the mangroves. Principal environmental impacts were identified as deforestation, construction of outhouses, contamination and pollution by disposal of garbage and domestic drain water, which resulted in the reduction of crab and fish numbers. Only in Teotônio Vilella and Vila Nazaré was the presence of families that practice the subsistence gathering of crab and shellfish recorded.

Keywords: Mangrove, urban area mangrove, environmental impacts.

1. INTRODUÇÃO

A relação do homem com os manguezais é antiga. Em sua abrangente revisão bibliográfica, Mastaller (1987), menciona que a literatura é repleta de exemplos em que o homem, desde tempos históricos, como os aborígenes da Austrália e os habitantes pré-colombianos do Equador, manteve um estreito relacionamento com o manguezal.

Além da pesca e da cata de espécies da variada fauna dos manguezais, são vários os registros da utilização de sua mata na forma de carvão e lenha, na construção civil (madeira, barro), nas indústrias: têxtil (fio de viscose e corante); farmacológica (drogas e cosméticos); de papel (cigarros e jornais) e de couro (tanino para curtume) (Corrêa, 1984; Maciel, 1987; Mastaller, 1987 e Vanucci, 1999).

Muitas civilizações tiveram, e ainda mantém, relação histórica com os manguezais. Desde os tempos remotos os manguezais têm sido habitat preferido para os estabelecimentos humanos devido às suas vantagens protetoras contra calamidades naturais e ataques inimigos (Masteller, 1987).

Segundo Lacerda (1999), as populações dos países tropicais tenderam a se concentrar, ao longo da história, às margens de rios e ao longo do litoral, tanto para facilitar o acesso ao interior como para assegurar o escoamento e exportação de seus produtos. A localização dos manguezais em áreas protegidas dos litorais, como estuários, baías e lagoas, coincide com as áreas de maior interesse para as comunidades humanas, uma vez que são as mais proveitosas para a instalação de complexos industriais, portuários e para a expansão turístico-imobiliária. Infelizmente, isso tem levado ao longo do tempo, à erradicação dos manguezais em grande parte dos litorais de todo o mundo.

No município de Ilhéus esta realidade não é diferente. Com o surgimento da lavoura cacaueira, a partir de 1846, a cidade começou a apresentar um rápido crescimento populacional proveniente das elevadas taxas de natalidade e dos fluxos migratórios, acelerando o processo de expansão. A dinâmica de crescimento da cidade foi influenciada pela disposição do relevo existente, que levou a ocupação das encostas, o aterro dos manguezais, a ocupação das planícies costeiras e a ocupação das margens das rodovias que dão acesso ao município (Andrade, 2003). Desde então, os manguezais de Ilhéus, têm sido utilizados como áreas receptoras de efluentes domésticos e resíduos sólidos, deixando as suas funções perspícuas de fonte de alimento para inúmeros organismos aquáticos, berçário para várias espécies estuarinas e marinhas, prevenção da erosão e inundação, retenção de sedimentos e nutrientes (Fidelman, 2002).

Assim, objetivando se avaliar o nível de antropização, o histórico de ocupação em áreas urbanas e estabelecer relações homem-ambiente, foram relacionadas áreas da zona urbana de Ilhéus, em que os manguezais estão sendo impactados, localizados nos estuários dos rios Almada, Fundão, Santana e Cachoeira.

2. MATERIAL E MÉTODOS

As comunidades estudadas pertencem ao município de Ilhéus, localizado na Região Nordeste, no sul do estado da Bahia, entre os meridianos de 39°00 e 39°04' W e os paralelos 14°44' e 14°51' S, na zona fisiográfica denominada Região Cacaueira da Bahia e Região Econômica Litoral Sul do Estado da Bahia (SEPLANTEC/CEI, 1996).

Figura 1. 
Casa no manguezal, Bairro de São Domingos, Ilhéus - BA.
As áreas escolhidas foram visitadas, onde observou-se os aspectos sociais, econômicos e ambientais que deveriam ser contemplados nos questionários. Após este procedimento, os questionários foram elaborados, constando de informações referentes a condições de moradia, doenças de maior ocorrência, uso e importância do manguezal para a família, importância ecológica do manguezal, atividades econômicas e principais carências locais. As questões elaboradas tiveram por objetivo subsidiar análise e entendimento da interação das comunidades estudadas, com o manguezal, verificando os possíveis impactos causados pelas diversas formas de uso. Foram aplicados, no período de janeiro a março de 2003, 26 questionários no bairro do Fundão, 58 na Av. Princesa, 22 no bairro de São Domingos, 16 na Vila Nazaré e no Teotônio Vilela, pela pouca receptividade dos moradores aplicou-se 17. Os dados obtidos foram tabelados e percentualizados, como uma maneira de facilitar a análise e permitir estabelecer inter-relações entre as informações.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Histórico da ocupação dos manguezais de Ilhéus

Poder-se-ia começar este capítulo com a mesma pergunta feita por Vanucci (1999): “quem em sã consciência escolheria os manguezais como lugar para viver se tivesse alternativa?” O infortúnio de toda sorte de mosquitos, o lamaçal constante, a falta de água potável e de saneamento básico seriam motivos mais que suficientes e desestimuladores da fixação do homem nos manguezais. A Figura 1 ilustra esta situação e atesta que a opção de viver ali é difícil. Ela induz a especular, ainda, se tal opção não é reflexo da grande exclusão social que ainda persiste no País, mesmo cerca de quinhentos anos após o descobrimento.

Uma passagem, ainda que não muito profunda, pela literatura do sul da Bahia (Avé-Lallemant, 1980; Guimarães, 2001) constata-se que pouco se diz a respeito dos manguezais e sua utilização, tanto em Ilhéus como em outros municípios daquela região da Bahia. Mesmo os naturalista, a inferir-se pelo relato de Guimarães (2001), falam pouco sobre este ambiente. O naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, um dos primeiros a registrar sua impressão sobre o sul da Bahia, por volta de 1815, destaca, em suas anotações sobre os costumes locais, o seguinte (Guimarães, 2001): "A vida é integrada por pequenas casas muito mal conservadas. As ruas, quase desertas, só apresentavam algum movimento aos domingos e dias de festas. O quadro de referência utilizado era a sociedade européia, em processo acentuado de urbanização e industrialização, porém com boa parte da população permanecendo pulverizada pelas grandes propriedades rurais de onde pouco se afastavam".

O referido naturalista nada destacava sobre a cultura do cacau e muito menos sobre o manguezal. Registra que o comércio com a cidade de Salvador era muito incipiente e à base de exportações de arroz e madeira, não sendo citado a exploração do mangue.

A ocupação do município de Ilhéus no século XVI esteve diretamente relacionada com a cultura do cacau. Atualmente, a cidade vem experimentando acentuada expansão urbana, resultado da migração da população rural frente à crise da lavoura cacaueira, e do desenvolvimento turístico e industrial. Assim, o adensamento populacional vem resultando na redução da qualidade ambiental do município. Nesse contexto, manguezais e estuários tem sido os ecossistemas mais comprometidos, pois muitas civilizações tiveram, e ainda mantêm, relação histórica com estes ecossistemas.

Conforme a Figura 2, o primeiro núcleo urbano da cidade de Ilhéus ocorreu em 1536, na baia do Pontal e Morro de São Sebastião, e desde então, devido a sua posição geográfica com influência marinha e de estuários, a vasta área de manguezal começou a ser ocupada para instalação de ruas e avenidas. Segundo Andrade (2003), a cidade apresenta cinco direções de crescimento e uma delas é através do aterro de manguezais, a exemplo do que ocorreu nos bairros da Cidade Nova, na Av. Itabuna e Av. Canavieiras durante o período de 1940 a 1960. Década após década, as áreas de manguezais vêm sendo utilizadas para instalação de bairros.

Entre 1960-70 a expansão urbana deu-se em direção ao Malhado, Princesa Izabel e Av. Esperança; de 1970-1980, segue ao norte pela Barra de Itaípe e Savóia (Figura 2). É interessante salientar que essas ocupações ocorreram mediante intervenção do poder público, em decorrência do rápido crescimento populacional, constituindo-se muitos desses bairros em locais privilegiados de moradia por população de classe média.

A partir da década de 1980 os manguezais vêm sendo aterrados, inicialmente por invasores e, posteriormente, consolidados pela Prefeitura, que instala alguns equipamentos urbanos necessários à formação de um bairro, como o Teotônio Vilela, rua da Palha e Vila Nazaré (Figura 2).

Verificou-se no histórico de ocupação destas áreas que, inicialmente, pescadores e catadores de mariscos fixavam-se no local buscando sobrevivência. Entretanto, com a expansão urbana desordenada e o alto fluxo migratório em direção a Ilhéus, após o estopim da crise da lavoura cacaueira, agravaram-se os problemas relacionados à aquisição da casa própria e ao alto custo dos aluguéis, levando a invasão e aterro das áreas de manguezais. 


Figura 2. Mapa da evolução urbana de Ilhéus.

Com a posterior regulamentação das áreas ocupadas pela Prefeitura Municipal, a pesca deixou de ser o motivo principal de atração de população para áreas de manguezais. O baixo preço de aluguéis e facilidade na aquisição da casa própria, além da vulnerabilidade para invasões, faz com que os manguezais se transformem em bairros periféricos povoados por população de baixa renda e baixo nível de escolaridade.

A regulamentação das áreas invadidas é um incentivo do poder público para a ocorrência de novas ocupações em áreas de preservação permanente. Como exemplo observa-se: o bairro de São Domingos invade a margem do Rio Almada, a faixa de domínio da rodovia BA – 001 e as áreas de preservação ambiental. Na Av. Esperança, Vila Nazaré e Teotônio Vilella a irregularidade é pelo fato da ocupação dar-se em área do município, invadindo as margens do Rio Itacanoeira e, na Av. Princesa Isabel, apesar de não possuir ocupação em terras do município, a invasão deu-se em área de proteção ambiental, margem do rio Itacanoeira (Figura 3).

A ocupação mais recente foi a do manguezal do loteamento São Domingos, ocorrido na década de 90, sendo, portanto, o que possui piores condições de moradia: caminhos de pedestres para circulação interna não pavimentada, abastecimento de água irregular, rede de esgoto deficiente e sem drenagem. As casas em sua maioria são de alvenaria pintada em estado ruim e casas de madeira. A área ocupada é 47.023,40 m2, com 34 domicílios e população de 121 pessoas.

Observou-se que mesmo nos bairros com ocupação mais antiga, como é o caso da Princesa Isabel, década de 40, a insatisfação da população quanto às condições de moradia é geral e isso reflete diretamente na relação que a população estabelece com o ecossistema. Declarações do tipo: “moramos aqui porque não tem jeito, quem vai ser feliz em um lugar com tanto fedor e mosquitos?” são comuns em todos os bairros visitados. 

Na Princesa Isabel, o transporte coletivo e o abastacimento de água são regulares, as vias são pavimentadas com asfalto, porém a rede de esgoto é insatisfatória e a drenagem da água em alguns trechos apesar de subterrânea, é deficiente. Esta precariedade no sistema de saneamento afeta diretamente a qualidade de vida da população, pois o mesmo ocorre em uma vala a céu aberto, lançando o esgoto diretamente no manguezal e este, juntamente com o rio Itacanoeira, constiuem-se no quintal das casas deste bairro. 

Figura 3. Fotografias aéreas dos bairros de Ilhéus instalados em manguezais:
A – Av. Princesa Isabel; B 
 Vila Nazaré; C  Teotônio Villela; D  Fundão; E  São Domingos.

3.2 Caracterização da população estudada

A população que ocupa os manguezais da área urbana de Ilhéus provém, na grande maioria, de processos migratórios (intra e extra municipal) decorrentes da crise da lavoura cacaueira.

A população com maior tempo de residência no bairro foi a da Avenida Princesa Isabel (superior a 10 anos) onde, 77,6% dos moradores sempre moraram naquele local e assim, o predomínio é de casas de alvenaria em bom estado de conservação. Apesar das péssimas condições de saneamento básico do bairro, os moradores investem em suas residências. Por outro lado, no Fundão, o predomínio é de moradores advindos de outras áreas da zona urbana do próprio município. Cerca de 89% dos entrevistados se deslocou de áreas vizinhas por estas não oferecerem boas condições de infra-estrutura. No Fundão, as melhores condições de infra-estrutura dizem respeito à pavimentação com asfalto, transporte coletivo regular e coleta de lixo periódica.

Na Vila Nazaré, São Domingos e Teotônio Vilella a grande maioria da população constitui-se em moradores oriundos de outras áreas da zona urbana e apenas na Vila Nazaré registrou-se um expressivo contingente (29,4%) da zona rural. Nesta comunidade, a vinda para a cidade justificou-se pela procura de empregos e esperança de melhores condições de vida.

Em todos esses bairros, os entrevistados afirmaram migrar para as áreas de manguezal aterradas pelas facilidades na aquisição de imóveis e o menor preço dos aluguéis, justificado pelo tipo de moradia, onde, por exemplo, no São Domingos, 63,8% das casas são de tábua, com precariedade no fornecimento de água potável e sistema de esgotos.

A totalidade dos entrevistados constituem-se em pessoas carentes que apresentam variação de renda mensal entre 1 a 1,5 salários mínimos. A principal atividade econômica desenvolvida é na economia informal, pois, os empregos declarados não têm regulamentação segundo a legislação trabalhista, predominando principalmente serviços domésticos, camelôs, atendimento em pequenos estabelecimentos comerciais e na construção civil. Na Avenida Princesa Isabel e Fundão é expressiva a população economicamente inativa, onde prevalece um alto número de aposentados e de desempregados.

Observou-se que a população, no início da ocupação da área, retirava do manguezal sua fonte de renda e hoje, os moradores de todos os bairros estudados declararam utilizar o ecossistema apenas como local de moradia, correspondendo a 67,3% dos entrevistados. A Vila Nazaré e o Teotônio Villela são os bairros que apresentaram um maior percentual de moradores que utilizam o manguezal para pesca e catação de marisco, apesar da poluição pelo despejo de lixo e esgoto. Na Vila Nazaré cerca de 41,2% e no Teotônio Villela 31,2%. O uso do manguezal para moradia predomina no São Domingos, Fundão e Princesa Isabel, com 77,3%, 88,5% e 98,3% respectivamente. 

Os moradores declararam que nos últimos anos está havendo uma diminuição gradativa na quantidade de pescados e mariscos, o que tem levado as famílias, que desde gerações passadas sustentavam-se da pesca, a mudar a sua fonte de renda, buscando assim outras alternativas. 

3.3 Problemas ambientais decorrentes da ocupação urbana no manguezal

A totalidade dos moradores declarou serem atendidos por serviços de água encanada e energia elétrica, mas o observado, principalmente no Teotônio Villela, é que muitas residências apresentavam ligação irregular de energia elétrica e alguns moradores utilizam água de fontes, sem atentar para a contaminação do lençol freático pela proximidade destas fontes com as fossas sanitárias.

A coleta de lixo em todos os bairros é diária sendo feita pela prefeitura municipal, mas um elevado volume de lixo é encontrado nos manguezais de todos os bairros, o que os moradores alegam ser trazido pela maré. Apenas no São Domingos observou-se um menor aporte de lixo, decorrente de campanhas realizadas pela associação de moradores para limpeza da área.

Quanto à distribuição de rede de esgoto, o problema é mais sério. Na Avenida Princesa Isabel e no Fundão, cerca 86,2% e 65,4% das casas, respectivamente, despejam seus efluentes diretamente no manguezal, pois a junção destas casas ao sistema de esgotamento sanitário requer um elevado custo, porque grande parte das mesmas foi construída abaixo do nível da rua, sendo necessário o aterro do terreno e em muitos casos, seria necessária a demolição das residências para regularização.

Segundo Faria Filho & Araújo (2003), em 1944 Ilhéus possuía 1.169 ha de manguezal e em 2002 essa área sofreu um decréscimo de 4,48%, passando para 1.116 ha. Portanto em 58 anos de expansão urbana, apenas 52 ha foram aterrados para instalação de bairros, o que não justifica a intensa degradação dos manguezais com conseqüente diminuição da população de peixes, caranguejos e crustáceos.

Observando-se a localização desses ecossistemas percebe-se que, no município de Ilhéus, os mesmos são formados nos estuários de duas bacias hidrográficas bastante povoadas e com intensivo uso agrícola dos solos, que são a bacia do rio Almada e do rio Cachoeira. A primeira abrange 07 municípios e a segunda 11. Destes, apenas Ilhéus e Itabuna apresentam alguns bairros com sistema de tratamento de esgoto, enquanto os demais municípios lançam seus efluentes domésticos, hospitalares e industriais, “in natura”, na rede de drenagem o que vem contaminando progressivamente os manguezais de Ilhéus.

Isso explica o número cada vez menor de moradores que utilizam o manguezal como meio de sobrevivência. Além disso, em entrevistas realizadas com comerciantes e catadores de caranguejo constatou-se que, as feiras livres e as barracas de praia, são abastecidas com caranguejos e mariscos vindos de outros municípios como Canavieiras, Pedras de Una (distrito de Una) e Nova Viçosa. Assim, Ilhéus, apesar de possuir área de 1.116 ha de manguezais não utiliza esse ecossitema como fornecedor de bens e serviços, o que poderia gerar renda para a população de baixo poder aquisitivo e fomentar a comercialização dos mariscos.

3.4 Consciência ambiental e necessidade de preservação

Aproximadamente 96% dos entrevistados acham importante a preservação do manguezal, e reconhecem o seu valor ecológico. No entanto, a consciência ambiental dos moradores restringe-se a concepção do ecossistema como fonte de alimento e assim, a necessidade de preservá-lo, é justificada para manutenção de peixes e mariscos. Funções outras tais como, berçário natural, filtro biológico natural, retenção de metais pesados, alternativas eco-turísticas, manutenção dos aspectos tradicionais e culturais das populações (Fidelman, 2002; Ramos, 2002) não foram mencionadas.

Os principais impactos ambientais registrados nos manguezais da área urbana de Ilhéus em decorrência da ação antrópica foram: aterramento para dar lugar a portos, estradas, agricultura, ocupações urbanas e industriais; derramamento de petróleo; lançamento de efluentes industriais e domésticos, agrotóxicos e resíduos sólidos (lixões); pesca predatória e captura de espécies em época de reprodução levando a diminuição do número de caranguejos e peixes. Resultados similares foram encontrados por Fidelman (2001), Ramos (2002), Gomes (2002) e Moreau et al. (2003) em estudos referentes a manguezais do município de Ilhéus.

Quanto às conseqüências da degradação ambiental, os moradores dos bairros estudados apenas identificaram que o lançamento de lixo e esgoto diretamente no manguezal poderia causar, no futuro, doenças e ser a causa atual da diminuição no número de peixes, caranguejo e mariscos. Apesar desse registro, apenas no São Domingos o presidente da associação de moradores declarou realizar periodicamente multirões para limpeza da área, mas os entrevistados das demais bairros não citaram nenhuma medida preventiva para evitar a degradação ambiental.

Ficou clara a acomodação por parte da população que habita estas áreas quanto a necessidade de preservar o ecossistema e a adoção de medidas com tais finalidades. Essa apatia contradiz o que afirma Bernardes & Ferreira (2003), que a intuição e a consciência individual também são fatores importantes para atingir o equilíbrio ecológico, cabendo a cada indivíduo mudar de atitudes, valores e estilos de vida, devendo assim partir de cada indivíduo, de cada comunidade a busca por alternativas de sustento e manejo da área para manter a preservação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os resultados obtidos, a ocupação das áreas na sua maioria, deu-se por invasão ou aquisição de imóveis pelo baixo valor no mercado. A população dos bairros estudados apresenta baixa renda e baixa escolaridade. Em todos os bairros estudados os efluentes domésticos são despejados no manguezal.

Os moradores que utilizam o mangue para pesca estão buscando outras fontes de renda, já que está ocorrendo uma diminuição de mariscos e crustáceos, e, segundo os moradores, os marisqueiros e pescadores respeitam a época de reprodução de peixes e mariscos.

Os impactos ambientais decorrentes da expansão urbana devem-se a falta de planejamento, pois o manguezal constitui-se em um ecossistema prioritariamente não habitável, que para tal fim são aterrados e desmatados por população de baixa renda, sem conclusão da educação básica, portanto com níveis precários de informações referentes à preservação ambiental. Este conjunto de fatores aliado a poluição dos rios por municípios à montante da bacia do Almada e Cachoeira, tem causado, aos manguezais de Ilhéus, contaminação pelo despejo de lixo, efluentes (domésticos, industriais e hospitalares) levando a uma gradativa e crescente extinção de espécies de peixes, crustáceos e mariscos.

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domingo, 29 de junho de 2014

O TRISTE DESTINO DA BAÍA DO PONTAL


FRAGILIDADE AMBIENTAL E AÇÃO ANTRÓPICA NO ENTORNO BAÍA DO  PONTAL (ILHÉUS - BAHIA - BRASIL) 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é fazer uma relação entre o processo de ocupação e urbanização do entorno da baía do Pontal (dando ênfase ao bairro do Pontal) e o agravamento da fragilidade ambiental da área. Para tal realizou-se uma pesquisa bibliográfica, onde se levantou informações referentes ao quadro natural do município; e o histórico de ocupação da área e suas principais características socioeconômicas. Também se realizou uma pesquisa de campo para a aplicação de 64 formulários de forma não-probabilistica e aleatória, objetivando verificar como os moradores percebem as transformações na paisagem. Verificou-se que a área é ocupada desde 1536, ano de fundação da capitania de São Jorge dos Ilhéus, e que a partir de 1817, todas as margens da baía já sofriam a ação antrópica. Detectou-se que as atividades econômicas alteraram a morfodinâmica da sedimentação na baía. A primeira grande alteração deu-se com a implantação da lavoura cacaueira nas margens dos rios Cachoeira, Santana e Itacanoeira/Fundão que levou a um intenso desmatamento das margens aumentando conseqüentemente a demanda de sedimentos para a baía, ocasionando o seu assoreamento. Com a diminuição da profundidade da baía, os navios não conseguiam atracar no Porto, o que levou sua transferência para a enseada das Trincheiras em 1959. A construção do Porto do Malhado alterou a deriva litorânea da costa, formando um banco de areia na barra da Baía, erodindo o litoral norte a partir do bairro do Malhado, e depositou areia frente à Avenida Soares Lopes até a entrada da Baía do Pontal. Durante a segunda metade do século XX, a urbanização da área para consolidar a ocupação da área e mais recentemente para a atender as demandas do turismo na cidade vêm transformando a paisagem da área. A fragilidade ambiental da Baía do Pontal está sendo agravada em decorrência da ação antrópica. Inicialmente a lavoura cacaueira nas margens dos rios Cachoeira, Santana e Itacanoeira/Fundão, e posteriormente a mudança na deriva dos sedimentos costeiros em decorrência da construção do Porto do Malhado, alteraram a morfogênese da Baía, ocasionando uma diminuição das cotas batimétricas, prejudicando a qualidade da água, o desaparecimento da praia do Pontal e quase destruição da orla pelo mar. Faz-se necessário à execução de um plano diretor efetivo e voltado para as características naturais e culturais da cidade e do bairro, dando melhores condições urbanas aos seus moradores e investindo no setor turístico.

Palavras-chave: Litoral; ação antrópica; fragilidade ambiental.

INTRODUÇÃO 

A exploração dos elementos naturais pelas sociedades visam o lucro fácil, sem preocupações com as gerações futuras. O ideal seria que as sociedades buscassem manter estratégias de convivência pacífica com a natureza, buscando desempenhar uma relação desenvolvimento sustentável, na utilização dos recursos naturais na construção dos espaços geográficos (VIVAS et al 2004).

O povoamento do litoral brasileiro data do século XVI, onde a construção das vilas e sedes das capitanias deu-se exclusivamente na orla. A apropriação das áreas costeiras no Sul da Bahia tem causado ao modelado costeiro como as baías, tômbulos, cordões litorâneos e falésias inúmeros problemas ambientais. A fragilidade ambiental natural desses modelados agrava-se com o adensamento da população decorrente da expansão urbana desordenada, uso da terra inadequado e implementação da atividade turística.

A morfogênese dos modelados costeiros não tem apenas como agente a ação das ondas, correntes e marés. A dinâmica dos agentes exógenos do relevo no interior do continente também influencia na dinâmica destas feições. Um exemplo da interação continente x litoral está relacionado ao transporte de sedimentos, principalmente em rios que desembocam em baías, o aumento do aporte de sedimentos pode ocasionar ao assoreamento da baía.

O objetivo proposto neste trabalho é fazer uma relação entre o processo de ocupação e urbanização da baía do Pontal (dando ênfase ao bairro do Pontal) e o agravamento da fragilidade ambiental da área.

MATERIAS E MÉTODOS 

Caracterização da Área de Estudo

O município de Ilhéus está localizado no litoral Sul do Estado da Bahia, nas coordenadas 14°47’55’’ de latitude Sul e 39°02’01’’ de longitude Oeste, e faz parte da microrregião Ilhéus – Itabuna, de acordo com a nova divisão regional da Bahia elaborada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 1990, substituindo a designação de microrregião cacaueira. A BAHIATURSA apud EMBRATUR (1996) denominou este setor do litoral baiano de Costa do Cacau (Figura 01).


O clima da região é classificado como tropical quente e úmido sem estação seca, semelhante ao clima da Amazônia, em seus valores médios anuais (ANDRADE, 2003). O litoral do município está situado no domínio dos ventos alísios do nordeste. A média das temperaturas máximas é superior a 24°C e a média das mínimas é de 21°C. os meses mais quentes é de novembro a março, e os meses mais frios são julho e agosto (HEINE, 2001). 

A vegetação na região de Ilhéus é condicionada pelas características climáticas, topográficas, geológicas e pedológicas, e se constitui em: vegetação higrófila (Mata Atlântica) possuindo extrato arbustivo denso, latifoliada, sempre verde; e vegetação litorânea que ocupa a planície costeira sendo do tipo edáfica, a exemplo dos manguezais que vivem em condições salobras, e das restingas que se desenvolvem sobre os depósitos arenosos quaternários (GOUVÊA, 1976). 

O regime de maré na região costeira de Ilhéus é do tipo mesomaré, com características semidiurna (dois ciclos de maré vazante e de maré enchente durante 24 horas), que segundo os dados da estação maregráfica situada no Porto do Malhado apresentam marés de sizígia com altura máxima de 2,3m e mínima de -0,1 (DHN, 2004). 

A litologia da área urbana de Ilhéus segundo BRASIL (1980) e NETTO & SANCHES (1991) é composta por rochas ígneas e metamórficas de formação antiga (datadas do Proterozóico) e rochas sedimentares consolidadas e não-consolidadas como areia e argila de origem marinha e fluvial, datadas do Cenozóico.

A Baía do Pontal é uma reentrância formada a partir da confluência dos rios Cachoeira, Santana e Fundão, constituindo-se como um ambiente de influência flúvio–marinha em função do aporte de água doce desses rios e da água salgada do Oceano Atlântico. Esta se limita ao norte com a Avenida Dois de Julho (localizada no centro de Ilhéus); ao sul com a Avenida Lomanto Júnior que faz parte do bairro Pontal; a oeste com a Ilha do Frade e a foz dos rios Cachoeira, Itacanoeira e Santana por fim a leste com o Morro de Pernambuco e Oceano Atlântico. 

 Procedimentos Metodológicos

Para atender os objetivos propostos neste trabalho realizou-se uma pesquisa bibliográfica, onde se levantou informações referentes ao quadro natural do município (dando ênfase aos aspectos morfogenéticos da configuração da baía do Pontal); ao histórico de ocupação da área e suas principais características socioeconômicas. Também se realizou uma pesquisa de campo para a aplicação de 64 formulários de forma não-probabilistica e aleatória, objetivando verificar como os moradores percebem as transformações na paisagem.


PROCESSO DE OCUPAÇÃO DA ÁREA DO ENTORNO 
DA BAÍA DO PONTAL 

A ocupação do município de Ilhéus no século XVI, tendo as áreas próximas ao Oceano priorizadas para a implementação da sede da Capitania. Conforme a Figura 02, o primeiro núcleo urbano da cidade de Ilhéus ocorreu em 1536, na baia do Pontal e Morro de São Sebastião, e desde então, devido a sua posição geográfica as áreas adjacentes foram posteriormente ocupadas devido à necessidade de expansão da área urbana. Em 1817, fundou-se uma vila de pescadores no lado sul da Baía do Pontal (ANDRADE, 2003). 




Os primeiros moradores da vila eram pessoas muito humildes, habitando em barracos feitos quase sempre de barro (taipa, tipo sapé) e tinham sua fonte de sustento centrada na pesca. Havia em muitas casas cacimbas que forneciam água para o uso geral. A água potável era extraída da fazenda do Sr. Terto Moura ou da bica do Morro de Pernambuco. Esta era vendida de casa em casa no lombo dos burros. 

Durante a década de 40, a população da zona sul de Ilhéus crescia em decorrência da excelente fase da cultura cacaueira. A ligação entre a zona sul e a área central do município (situada a norte da baía) dava-se através da travessia realizada por canoas e barcos. Em 1966, foi construída a Ponte Lomanto Júnior ligando o Bairro Pontal e suas adjacências ao centro da cidade (ANDRADE, 2003). 

A construção da Ponte Lomanto Júnior levou a ampliação na parte sul da Baía do Pontal. Em meados da década de 70 surgiram loteamentos como a Sapetinga e o Jardim Pontal, e outras áreas privilegiadas no norte do Pontal. A população de baixa renda foi concentrada na Nova Brasília, rua Barão do Rio Branco e áreas após o aeroporto (mais ao sul do Pontal).

Durante os anos 80, a crise da lavoura cacaueira ocasionou um êxodo rural intenso em toda a microrregião cacaueira. As cidades com maior infra-estrutura urbana (Ilhéus e Itabuna) receberam um grande contingente de imigrantes acentuando a expansão urbana dessas cidades. A principal conseqüência desse crescimento urbano foi o surgimento de novos bairros a sul da Baía do Pontal, que segundo a sua origem podem ser divididos em três categorias: 

• Bairros planejados, estes objetivando abrigar a classe média como a Urbis I e II (hoje denominado Hernani Sá), o Santo Antônio de Pádua, Gabriela, e o Ceplus; 

• Bairros Periféricos, proveniente de invasões, tendo como conseqüência a ausência de planejamento como o Nelson Costa, o Nossa Senhora da Vitória e Rua da Palha; 

• Os condomínios de luxo à beira mar, como é o caso do Jardim Atlântico. 

Já Nova Brasília, antiga área periférica, foi incorporada como uma continuação do Pontal, concentrando uma população de baixa renda. Em 1997, a Prefeitura Municipal de Ilhéus inaugurou na área a Praça e a sede do Campus da Universidade Livre do Mar e da Mata (Maramata), O objetivo na implementação da Maramata é proporcionar o debate público sobre os problemas ambientais de Ilhéus, e valorizar a cultura das populações com o mar e a mata.

É possível encontrar no Bairro do Pontal toda uma estrutura que vai se abrindo para as demandas turísticas. Nesse sentido é importante destacar o fato de não ter sido projetado desde a sua fundação para este fim, precisando, pois se adaptar para melhor escolher e mesmo para movimentar sua economia.

A poluição das águas da Baía do Pontal, devido aos despejos de esgotos domésticos e industriais provenientes de Ilhéus e de cidades situadas na Bacia do Rio Cachoeira, afasta os visitantes e usuários. A poluição visual de alguns morros do entorno, resultado da ocupação desordenada, é outro agravante para o turismo. Estes fatos comprometem, assim, o desenvolvimento da região. 

CONSEQÜENCIAS DA ANTROPIZAÇÃO NA FRAGILIDADE AMBIENTAL DA BAÍA DO PONTAL 

A área de estudo sofre as conseqüências de um antigo processo de antropização. Durante as duas primeiras fases da lavoura cacaueira, a exportação do cacau dava-se através do porto instalado na baía do Pontal (ANDRADE, 2003).

O intenso desmatamento no interior ocasionou a erosão das margens dos rios Cachoeira, Itacanoeira/Fundão e Santana que aumentaram a demanda de sedimentos para a baía, ocasionando o seu assoreamento. Com a diminuição da profundidade da baía, os navios não conseguiam atracar no Porto. A transferência do Porto da Baía para a enseada das Trincheiras em 1959 acentuou os efeitos transformadores na Baía do Pontal.

Segundo ANDRADE (2003, p. 17): "A existência de um banco de areia na enseada da Baía se deve à construção do Porto do Malhado (nome inicial) que, ao tempo que destruiu o litoral norte a partir do bairro do Malhado, foi depositado areia frente à Avenida Soares Lopes até a entrada da Baía do Pontal. Em razão dessa deposição, a Baía pode ser considerada uma lagoa costeira uma vez que o banco de areia está sendo consolidado pela vegetação que ora se expande fixando-o, ficando acima da maré alta."

No entanto o local ainda apresenta características de um ambiente de baía, pois a comunicação deste com o mar, apesar de diminuir não deixou de ocorrer, devido o volume de água despejado pelos rios que deságuam do mar. O período de maior vazão desses rios é no verão quando há uma maior intensificação da radiação solar, provocando maiores índices de pluviosidade (SILVA, 2001).

O fenômeno de refração das ondas ao se aproximarem do litoral, provocado pelo Morro de Pernambuco influi diretamente no processo de deriva litorânea, fazendo com que o contato da água das ondas com o relevo continental forme ângulo inferior a 90º, então os sedimentos são carreados pelas correntes para a entrada da Baía e em direção ao Porto onde são barrados pela presença deste. O regime da Baía está mudando rapidamente de marítimo para fluvial, pois o trabalho erosivo do mar foi interrompido com a construção do porto, fazendo com que os sedimentos trazidos pelo próprio oceano e pelos rios (Itacanoeira ou Fundão, Santana e Cachoeira) não sejam transportados. A formação dos bancos de areia é inevitável. Esse processo poderá teoricamente favorecer a diminuição gradativa dos níveis de salinidade da água, podendo causar profundas transformações não só na vegetação típica, mas também na fauna (op. cit.).

As praias dispersivas que existiam na Baía do Pontal, pouco a pouco foram tendo suas faces cobertas pelas águas devido ao avança da água do mar. Em um segundo momento esta situação acaba por provocar a aceleração do assoreamento da baía. A velocidade e a turbulência nas águas estão intimamente relacionadas com o trabalho marítimo, ou seja, a erosão, o transporte e a deposição de detritos dependem da ação do mar. Já que a influência deste tem diminuído com as transformações antrópicas, as partículas de menor granulometria como as argilas precipitam-se e acomodam-se no fundo da baía. A diminuição dos níveis batimétricos já mostra suas conseqüências, uma delas é a vegetação típica de mangue que se desenvolve em alguns locais onde antes não existia. Esse processo torna mais grave devido o regime da maré que é mesotidal, isto é, o desnível entre a maré alta e a maré baixa na Baía apresenta-se em torno de 2 metros, o que não contribui para uma ação mais intensa do mar no local (SILVA, 2001).

Dentro desse contexto, é importante o conhecimento dos processos dinâmicos que vem a morfologia da Baía do Pontal, com o intuito de possibilitar uma melhor compreensão dessas transformações e obter dados sobre a maneira como o processo poderá evoluir. PEREIRA apud SILVA (2001), comenta que, na erosão costeira se destinguem causas naturais e antrópicas. As naturais associam-se com a diminuição na quantidade de sedimentos transportados pelos rios, a lenta elevação do nível do mar e o possível aumento do poder de destruição das ondas. No caso da Baía, as causas antrópicas, ou seja, a construção do Porto de Ilhéus na enseada do Malhado e a degradação nas bacias dos rios tributários são os responsáveis pela intensificação do assoreamento na Baía.

TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM DA 
BAÍA DO PONTAL E DO SEU ENTORNO 

Para MATEO RODRIGUEZ; SILVA & CAVALCANTI (2002) paisagem pode ser definida um sistema territorial composto por elementos naturais e antropotecnogênicos condicionados socialmente, que modificam ou transformam as propriedades das paisagens naturais originais. De tal maneira, classifica-se as paisagens em naturais, antropo-naturais e antrópicas (também conhecidas como paisagens atuais ou contemporâneas).

A antiga ocupação, a utilização da baía como sede do Porto da cidade, e sua posterior mudança para a enseada das Trincheiras, somadas ao adensamento populacional na área tem acelerado as transformações da paisagem na área.

Assim como os demais bairros Ilheenses, o Pontal, apesar de sua beleza natural, está deteriorando-se com o descaso público e com a falta de investimentos na limpeza das ruas e praias acelerando o processo de degradação deste ambiente, além da crescente onda de assaltos e roubos que afastam os turistas da região. Um importante contraposto a ser observado é que, mesmo com esses problemas, o Bairro do Pontal ainda é um dos mais visitados em Ilhéus, devidos aos seus atrativos turísticos, naturais e culturais como a Avenida Lomanto Junior, onde se localiza a Enseada do Pontal, a Praia da Concha, o Morro de Pernambuco e outras praias.

O bairro Pontal, hoje, urbanizado, apresenta acesso fácil para todas as áreas da cidade, dando garantia as pessoas de andarem a pé e circularem nos seus carros. Também concentra boas escolas, pontos comerciais, postos de saúde, áreas de lazer, aeroporto, deixando de ser o bairro de ocupação da classe média baixa. As casas pequenas, simples, estão sendo substituídas por residências de luxo ou condomínios fechados, como no Jardim Pontal e no Jardim Atlântico. 

Essas regras geralmente são de bairros residenciais e podem ser transpostas aos casos de zonas de atividades ou de conjuntos turísticos. O importante é buscar o meio de conciliar adequadamente os objetivos de ordem urbanística, os interesses dos empreendedores e o desejo dos arquitetos envolvidos. 

Segundo os entrevistados há um descaso do poder público com o bairro e seus moradores em ações para melhorar a estrutura urbana do bairro, principalmente nas áreas mais internas ocupadas por uma população de baixa renda. Para 45% dos entrevistados o saneamento do bairro é considerado péssimo, já que o esgotamento sanitário existente é por meio de fossas.

Para 56% os entrevistados, o Morro de Pernambuco sofreu alterações naturais ao longo dos anos. Estes destacaram principalmente o acréscimo de areia na Praia local e a poluição das águas, que apresentam cor turva, grande quantidade de lixo e odor desagradável (proveniente da alta quantidade de matéria orgânica que se decompõe na Baía). Outros 31% dos entrevistados declaram não saber, pois apresentam pouco tempo de residência no Bairro (Figura 03). 

Perguntou-se aos entrevistados se a construção do Porto do Malhado ocasionou alterações na enseada do Pontal. Para 50% dos entrevistados, a construção do porto foi o grande agente de transformações na Baía do Pontal, principalmente porque ocorreu o desaparecimento da antiga Praia do Pontal (a sul da Baía) e o acréscimo de areia na Praia do Cristo (a norte da Baía). Cerca de 39% dos entrevistados afirmaram que a construção do Porto afetou um pouco, pois acreditam que a implantação de sistemas de engenharia não são capazes de alterar a dinâmica natural. 

Outra questão feita aos entrevistados refere-se ao grau de transformação da paisagem natural promovidos pela expansão urbana. Para 27% a paisagem natural foi muito transformada e para 57% foi pouco alterada. Dentre as alterações apontadas pelos entrevistados estão a retirada da vegetação natural para a construção de Hotéis e condomínios de luxo; o deslocamento das comunidades tradicionais, principalmente os pescadores para outras áreas; a implementação de sistemas de engenharia mudam as características e a organização espacial e temporal no bairro, como a pavimentação da orla e de estradas que facilitaram o acesso às praias do sul e deram ritmo acelerado ao bairro (Figura 04). 


Os principais problemas de infra-estrutura da área segundo os entrevistados estão ligadas à falta de preocupação das gestões municipais em atraírem turistas pode ser notada no abandono da limpeza pública principalmente na orla do Pontal, onde os únicos atrativos são os empreendimentos privados como bares e restaurantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O bairro do Pontal em Ilhéus constituía-se de uma colônia de pescadores e com algumas casas para veraneio dos produtores de cacau. Nas últimas décadas do século XX, a expansão do turismo em Ilhéus fez com que a área urbana da cidade e principalmente ao entorno da Baía do Pontal, fosse dotada de equipamentos. Muitos desses equipamentos de origem pública ou privada favoreceram a ocupação e expansão do bairro, como as vias de acesso. 

A fragilidade ambiental da Baía do Pontal está sendo agravada em decorrência da ação antrópica. Inicialmente a lavoura cacaueira nas margens dos rios Cachoeira, Santana e Itacanoeira/Fundão, e posteriormente a mudança na deriva dos sedimentos costeiros em decorrência da construção do Porto do Malhado, alteraram a morfogênese da Baía, ocasionando uma diminuição das cotas batimétricas, prejudicando a qualidade da água, o desaparecimento da praia do Pontal e quase destruição da orla pelo mar.

O bairro do Pontal sofreu um grande adensamento em sua área urbana, pelo fato de ter tido sua expansão limitada pelo aeroporto. Esse adensamento associado à falta de novas áreas, faz crescer no bairro o numero de construções com mais de 2 pavimentos, condomínios, tendenciando, principalmente na orla a uma pequena verticalização. 

Faz-se necessário à execução de um plano diretor efetivo e voltado para as características naturais e culturais da cidade e do bairro, dando melhores condições urbanas aos seus moradores e investindo no setor turístico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, R. R. Chaves de identificação de ambientes com ênfase nos aspectos pedogeomorfológicos para o município de Ilhéus: uma ferramenta ao ensino da Geografia. 2006. 43p. (Monografia). Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-BA. 2006.

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DHN. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Tábuas de marés. Marinha do Brasil. Disponível em: <http://www.dhn.mar.mil.br/>. Acesso em: 07 nov. 2004.

EMBRATUR. Política Nacional de Turismo. Diretrizes e programas – 1996 /1999. Brasília, 1996.

GOUVÊA, J. B. S. Recursos florestais. Rio de Janeiro: Cartográfica Cruzeiro do Sul, 1976. p.246.(Diagnóstico sócio-econômico da região cacaueira).

HEINE, M. L. História de Ilhéus. Ilhéus: Fundação Cultural de Ilhéus – FUNDACI, 2001.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cadastro de 
Cidades ou vilas do Brasil em 1999.

MATEO RODRIGUEZ, J. M.; SILVA, E. V.; CAVALCANTI, A. P. B. Geoecologia da paisagem: uma visão geossistêmica da análise ambiental. Fortaleza: EDUFC, 2002.

NETTO, A. S. T.; SANCHES, C. P. Roteiro geológico da bacia do Almada, Bahia. Revista Brasileira de Geociências. n. 21, v. 2, 1991. 186-198 p.

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VIVAS, P. V. et al. Caracterização física e sócio-econômica dos municípios ao entorno da península de Maraú-Bahia. In: V Simpósio Nacional de Geomorfologia e I Encontro Sul-Americano de Geomorfologia: Anais. Santa Maria: UFSM, 2004.