segunda-feira, 30 de junho de 2014

Uso e ocupação dos Manguezais da área urbana de Ilhéus


Revista da Gestão Costeira Integrada #(#):#-#8 (2010)
Número Especial 2, Manguezais do Brasil (2010)
Journal of Integrated Coastal Zone Management #(#):#-#8 (2010)
...em inglês...

Uso e ocupação dos Manguezais da área urbana de Ilhéus: Uma abordagem histórica e sócioambiental

Use and occupation in the Mangrove of the Ilhéus urban area - Bahia: A historical and social - environmental approach

Ana Maria Souza Santos Moreau [1]; Jemima Bonfim Hora [2]; Raul Reis Amorim [2]; João Carlos Ker [1]; Felipe Haene Gomes [3]; Mauricio Santana Moreau.


[1] Professores do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais (DCAA) da UESC (email: amoreau@uesc.br e mmoreau@uesc.br) e do Departamento de Solos da UFV (jcker@solos.ufv.br), respectivamente. [2]  Bolsistas de Iniciação Científica da FAPESB e graduandos em Geografia da UESC (reisraul@uol.com.br). [3] Doutorando do Curso de Agronomia da ESALQ.

RESUMO

Objetivando identificar o histórico de ocupação de manguezais da área urbana de Ilhéus (Bahia), bem como, o nível da antropização dos mesmos, cinco bairros instalados em manguezais do município foram selecionados, onde se aplicou um total de 139 questionários com ítens referentes a saneamento básico, condições de moradia, uso do manguezal, carências locais e doenças mais freqüentes. Os resultados obtidos indicaram que, inicialmente, as áreas de manguezal eram ocupadas por pescadores e catadores de mariscos. A partir da década de sessenta, a expansão urbana desordenada e a crise da lavoura cacaueira geraram um alto fluxo migratório em direção a Ilhéus, e assim, com a dificuldade de aquisição da casa própria e o alto custo dos aluguéis, a população passou a invadir e aterrar as áreas de manguezais. Identificaram-se como principais impactos ambientais o desmatamento, construção de aterros sanitários, contaminação e poluição por despejo de lixo e esgoto doméstico com conseqüente diminuição no número de caranguejos e peixes. Apenas no Teotônio Vilella e Vila Nazaré registrou-se a presença de famílias que praticam a catação de caranguejos e mariscos como atividade de subsistência.

Palavras-chave: Manguezal, manguezal de área urbana, impacto ambiental.

ABSTRACT

Aiming to identify the occupational history of the urban area mangroves in Ilhéus (Bahia), as defined by the level of anthropization, five neighborhoods located within mangroves were selected, where a total of 139 questionnaires were filled out with items referring to basic sanitation, living conditions, mangrove use, local shortages and the most common sicknesses. The results indicate that, initially, the mangrove areas were occupied by fishermen and shellfish gatherers. Starting in the 1960s disorganized urban expansion and the cacao farming crisis generated a high migratory influx towards Ilhéus. Because of the difficulties involved in acquiring private housing and the high local rents, the population began to invade and level the mangroves. Principal environmental impacts were identified as deforestation, construction of outhouses, contamination and pollution by disposal of garbage and domestic drain water, which resulted in the reduction of crab and fish numbers. Only in Teotônio Vilella and Vila Nazaré was the presence of families that practice the subsistence gathering of crab and shellfish recorded.

Keywords: Mangrove, urban area mangrove, environmental impacts.

1. INTRODUÇÃO

A relação do homem com os manguezais é antiga. Em sua abrangente revisão bibliográfica, Mastaller (1987), menciona que a literatura é repleta de exemplos em que o homem, desde tempos históricos, como os aborígenes da Austrália e os habitantes pré-colombianos do Equador, manteve um estreito relacionamento com o manguezal.

Além da pesca e da cata de espécies da variada fauna dos manguezais, são vários os registros da utilização de sua mata na forma de carvão e lenha, na construção civil (madeira, barro), nas indústrias: têxtil (fio de viscose e corante); farmacológica (drogas e cosméticos); de papel (cigarros e jornais) e de couro (tanino para curtume) (Corrêa, 1984; Maciel, 1987; Mastaller, 1987 e Vanucci, 1999).

Muitas civilizações tiveram, e ainda mantém, relação histórica com os manguezais. Desde os tempos remotos os manguezais têm sido habitat preferido para os estabelecimentos humanos devido às suas vantagens protetoras contra calamidades naturais e ataques inimigos (Masteller, 1987).

Segundo Lacerda (1999), as populações dos países tropicais tenderam a se concentrar, ao longo da história, às margens de rios e ao longo do litoral, tanto para facilitar o acesso ao interior como para assegurar o escoamento e exportação de seus produtos. A localização dos manguezais em áreas protegidas dos litorais, como estuários, baías e lagoas, coincide com as áreas de maior interesse para as comunidades humanas, uma vez que são as mais proveitosas para a instalação de complexos industriais, portuários e para a expansão turístico-imobiliária. Infelizmente, isso tem levado ao longo do tempo, à erradicação dos manguezais em grande parte dos litorais de todo o mundo.

No município de Ilhéus esta realidade não é diferente. Com o surgimento da lavoura cacaueira, a partir de 1846, a cidade começou a apresentar um rápido crescimento populacional proveniente das elevadas taxas de natalidade e dos fluxos migratórios, acelerando o processo de expansão. A dinâmica de crescimento da cidade foi influenciada pela disposição do relevo existente, que levou a ocupação das encostas, o aterro dos manguezais, a ocupação das planícies costeiras e a ocupação das margens das rodovias que dão acesso ao município (Andrade, 2003). Desde então, os manguezais de Ilhéus, têm sido utilizados como áreas receptoras de efluentes domésticos e resíduos sólidos, deixando as suas funções perspícuas de fonte de alimento para inúmeros organismos aquáticos, berçário para várias espécies estuarinas e marinhas, prevenção da erosão e inundação, retenção de sedimentos e nutrientes (Fidelman, 2002).

Assim, objetivando se avaliar o nível de antropização, o histórico de ocupação em áreas urbanas e estabelecer relações homem-ambiente, foram relacionadas áreas da zona urbana de Ilhéus, em que os manguezais estão sendo impactados, localizados nos estuários dos rios Almada, Fundão, Santana e Cachoeira.

2. MATERIAL E MÉTODOS

As comunidades estudadas pertencem ao município de Ilhéus, localizado na Região Nordeste, no sul do estado da Bahia, entre os meridianos de 39°00 e 39°04' W e os paralelos 14°44' e 14°51' S, na zona fisiográfica denominada Região Cacaueira da Bahia e Região Econômica Litoral Sul do Estado da Bahia (SEPLANTEC/CEI, 1996).

Figura 1. 
Casa no manguezal, Bairro de São Domingos, Ilhéus - BA.
As áreas escolhidas foram visitadas, onde observou-se os aspectos sociais, econômicos e ambientais que deveriam ser contemplados nos questionários. Após este procedimento, os questionários foram elaborados, constando de informações referentes a condições de moradia, doenças de maior ocorrência, uso e importância do manguezal para a família, importância ecológica do manguezal, atividades econômicas e principais carências locais. As questões elaboradas tiveram por objetivo subsidiar análise e entendimento da interação das comunidades estudadas, com o manguezal, verificando os possíveis impactos causados pelas diversas formas de uso. Foram aplicados, no período de janeiro a março de 2003, 26 questionários no bairro do Fundão, 58 na Av. Princesa, 22 no bairro de São Domingos, 16 na Vila Nazaré e no Teotônio Vilela, pela pouca receptividade dos moradores aplicou-se 17. Os dados obtidos foram tabelados e percentualizados, como uma maneira de facilitar a análise e permitir estabelecer inter-relações entre as informações.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

3.1 Histórico da ocupação dos manguezais de Ilhéus

Poder-se-ia começar este capítulo com a mesma pergunta feita por Vanucci (1999): “quem em sã consciência escolheria os manguezais como lugar para viver se tivesse alternativa?” O infortúnio de toda sorte de mosquitos, o lamaçal constante, a falta de água potável e de saneamento básico seriam motivos mais que suficientes e desestimuladores da fixação do homem nos manguezais. A Figura 1 ilustra esta situação e atesta que a opção de viver ali é difícil. Ela induz a especular, ainda, se tal opção não é reflexo da grande exclusão social que ainda persiste no País, mesmo cerca de quinhentos anos após o descobrimento.

Uma passagem, ainda que não muito profunda, pela literatura do sul da Bahia (Avé-Lallemant, 1980; Guimarães, 2001) constata-se que pouco se diz a respeito dos manguezais e sua utilização, tanto em Ilhéus como em outros municípios daquela região da Bahia. Mesmo os naturalista, a inferir-se pelo relato de Guimarães (2001), falam pouco sobre este ambiente. O naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied, um dos primeiros a registrar sua impressão sobre o sul da Bahia, por volta de 1815, destaca, em suas anotações sobre os costumes locais, o seguinte (Guimarães, 2001): "A vida é integrada por pequenas casas muito mal conservadas. As ruas, quase desertas, só apresentavam algum movimento aos domingos e dias de festas. O quadro de referência utilizado era a sociedade européia, em processo acentuado de urbanização e industrialização, porém com boa parte da população permanecendo pulverizada pelas grandes propriedades rurais de onde pouco se afastavam".

O referido naturalista nada destacava sobre a cultura do cacau e muito menos sobre o manguezal. Registra que o comércio com a cidade de Salvador era muito incipiente e à base de exportações de arroz e madeira, não sendo citado a exploração do mangue.

A ocupação do município de Ilhéus no século XVI esteve diretamente relacionada com a cultura do cacau. Atualmente, a cidade vem experimentando acentuada expansão urbana, resultado da migração da população rural frente à crise da lavoura cacaueira, e do desenvolvimento turístico e industrial. Assim, o adensamento populacional vem resultando na redução da qualidade ambiental do município. Nesse contexto, manguezais e estuários tem sido os ecossistemas mais comprometidos, pois muitas civilizações tiveram, e ainda mantêm, relação histórica com estes ecossistemas.

Conforme a Figura 2, o primeiro núcleo urbano da cidade de Ilhéus ocorreu em 1536, na baia do Pontal e Morro de São Sebastião, e desde então, devido a sua posição geográfica com influência marinha e de estuários, a vasta área de manguezal começou a ser ocupada para instalação de ruas e avenidas. Segundo Andrade (2003), a cidade apresenta cinco direções de crescimento e uma delas é através do aterro de manguezais, a exemplo do que ocorreu nos bairros da Cidade Nova, na Av. Itabuna e Av. Canavieiras durante o período de 1940 a 1960. Década após década, as áreas de manguezais vêm sendo utilizadas para instalação de bairros.

Entre 1960-70 a expansão urbana deu-se em direção ao Malhado, Princesa Izabel e Av. Esperança; de 1970-1980, segue ao norte pela Barra de Itaípe e Savóia (Figura 2). É interessante salientar que essas ocupações ocorreram mediante intervenção do poder público, em decorrência do rápido crescimento populacional, constituindo-se muitos desses bairros em locais privilegiados de moradia por população de classe média.

A partir da década de 1980 os manguezais vêm sendo aterrados, inicialmente por invasores e, posteriormente, consolidados pela Prefeitura, que instala alguns equipamentos urbanos necessários à formação de um bairro, como o Teotônio Vilela, rua da Palha e Vila Nazaré (Figura 2).

Verificou-se no histórico de ocupação destas áreas que, inicialmente, pescadores e catadores de mariscos fixavam-se no local buscando sobrevivência. Entretanto, com a expansão urbana desordenada e o alto fluxo migratório em direção a Ilhéus, após o estopim da crise da lavoura cacaueira, agravaram-se os problemas relacionados à aquisição da casa própria e ao alto custo dos aluguéis, levando a invasão e aterro das áreas de manguezais. 


Figura 2. Mapa da evolução urbana de Ilhéus.

Com a posterior regulamentação das áreas ocupadas pela Prefeitura Municipal, a pesca deixou de ser o motivo principal de atração de população para áreas de manguezais. O baixo preço de aluguéis e facilidade na aquisição da casa própria, além da vulnerabilidade para invasões, faz com que os manguezais se transformem em bairros periféricos povoados por população de baixa renda e baixo nível de escolaridade.

A regulamentação das áreas invadidas é um incentivo do poder público para a ocorrência de novas ocupações em áreas de preservação permanente. Como exemplo observa-se: o bairro de São Domingos invade a margem do Rio Almada, a faixa de domínio da rodovia BA – 001 e as áreas de preservação ambiental. Na Av. Esperança, Vila Nazaré e Teotônio Vilella a irregularidade é pelo fato da ocupação dar-se em área do município, invadindo as margens do Rio Itacanoeira e, na Av. Princesa Isabel, apesar de não possuir ocupação em terras do município, a invasão deu-se em área de proteção ambiental, margem do rio Itacanoeira (Figura 3).

A ocupação mais recente foi a do manguezal do loteamento São Domingos, ocorrido na década de 90, sendo, portanto, o que possui piores condições de moradia: caminhos de pedestres para circulação interna não pavimentada, abastecimento de água irregular, rede de esgoto deficiente e sem drenagem. As casas em sua maioria são de alvenaria pintada em estado ruim e casas de madeira. A área ocupada é 47.023,40 m2, com 34 domicílios e população de 121 pessoas.

Observou-se que mesmo nos bairros com ocupação mais antiga, como é o caso da Princesa Isabel, década de 40, a insatisfação da população quanto às condições de moradia é geral e isso reflete diretamente na relação que a população estabelece com o ecossistema. Declarações do tipo: “moramos aqui porque não tem jeito, quem vai ser feliz em um lugar com tanto fedor e mosquitos?” são comuns em todos os bairros visitados. 

Na Princesa Isabel, o transporte coletivo e o abastacimento de água são regulares, as vias são pavimentadas com asfalto, porém a rede de esgoto é insatisfatória e a drenagem da água em alguns trechos apesar de subterrânea, é deficiente. Esta precariedade no sistema de saneamento afeta diretamente a qualidade de vida da população, pois o mesmo ocorre em uma vala a céu aberto, lançando o esgoto diretamente no manguezal e este, juntamente com o rio Itacanoeira, constiuem-se no quintal das casas deste bairro. 

Figura 3. Fotografias aéreas dos bairros de Ilhéus instalados em manguezais:
A – Av. Princesa Isabel; B 
 Vila Nazaré; C  Teotônio Villela; D  Fundão; E  São Domingos.

3.2 Caracterização da população estudada

A população que ocupa os manguezais da área urbana de Ilhéus provém, na grande maioria, de processos migratórios (intra e extra municipal) decorrentes da crise da lavoura cacaueira.

A população com maior tempo de residência no bairro foi a da Avenida Princesa Isabel (superior a 10 anos) onde, 77,6% dos moradores sempre moraram naquele local e assim, o predomínio é de casas de alvenaria em bom estado de conservação. Apesar das péssimas condições de saneamento básico do bairro, os moradores investem em suas residências. Por outro lado, no Fundão, o predomínio é de moradores advindos de outras áreas da zona urbana do próprio município. Cerca de 89% dos entrevistados se deslocou de áreas vizinhas por estas não oferecerem boas condições de infra-estrutura. No Fundão, as melhores condições de infra-estrutura dizem respeito à pavimentação com asfalto, transporte coletivo regular e coleta de lixo periódica.

Na Vila Nazaré, São Domingos e Teotônio Vilella a grande maioria da população constitui-se em moradores oriundos de outras áreas da zona urbana e apenas na Vila Nazaré registrou-se um expressivo contingente (29,4%) da zona rural. Nesta comunidade, a vinda para a cidade justificou-se pela procura de empregos e esperança de melhores condições de vida.

Em todos esses bairros, os entrevistados afirmaram migrar para as áreas de manguezal aterradas pelas facilidades na aquisição de imóveis e o menor preço dos aluguéis, justificado pelo tipo de moradia, onde, por exemplo, no São Domingos, 63,8% das casas são de tábua, com precariedade no fornecimento de água potável e sistema de esgotos.

A totalidade dos entrevistados constituem-se em pessoas carentes que apresentam variação de renda mensal entre 1 a 1,5 salários mínimos. A principal atividade econômica desenvolvida é na economia informal, pois, os empregos declarados não têm regulamentação segundo a legislação trabalhista, predominando principalmente serviços domésticos, camelôs, atendimento em pequenos estabelecimentos comerciais e na construção civil. Na Avenida Princesa Isabel e Fundão é expressiva a população economicamente inativa, onde prevalece um alto número de aposentados e de desempregados.

Observou-se que a população, no início da ocupação da área, retirava do manguezal sua fonte de renda e hoje, os moradores de todos os bairros estudados declararam utilizar o ecossistema apenas como local de moradia, correspondendo a 67,3% dos entrevistados. A Vila Nazaré e o Teotônio Villela são os bairros que apresentaram um maior percentual de moradores que utilizam o manguezal para pesca e catação de marisco, apesar da poluição pelo despejo de lixo e esgoto. Na Vila Nazaré cerca de 41,2% e no Teotônio Villela 31,2%. O uso do manguezal para moradia predomina no São Domingos, Fundão e Princesa Isabel, com 77,3%, 88,5% e 98,3% respectivamente. 

Os moradores declararam que nos últimos anos está havendo uma diminuição gradativa na quantidade de pescados e mariscos, o que tem levado as famílias, que desde gerações passadas sustentavam-se da pesca, a mudar a sua fonte de renda, buscando assim outras alternativas. 

3.3 Problemas ambientais decorrentes da ocupação urbana no manguezal

A totalidade dos moradores declarou serem atendidos por serviços de água encanada e energia elétrica, mas o observado, principalmente no Teotônio Villela, é que muitas residências apresentavam ligação irregular de energia elétrica e alguns moradores utilizam água de fontes, sem atentar para a contaminação do lençol freático pela proximidade destas fontes com as fossas sanitárias.

A coleta de lixo em todos os bairros é diária sendo feita pela prefeitura municipal, mas um elevado volume de lixo é encontrado nos manguezais de todos os bairros, o que os moradores alegam ser trazido pela maré. Apenas no São Domingos observou-se um menor aporte de lixo, decorrente de campanhas realizadas pela associação de moradores para limpeza da área.

Quanto à distribuição de rede de esgoto, o problema é mais sério. Na Avenida Princesa Isabel e no Fundão, cerca 86,2% e 65,4% das casas, respectivamente, despejam seus efluentes diretamente no manguezal, pois a junção destas casas ao sistema de esgotamento sanitário requer um elevado custo, porque grande parte das mesmas foi construída abaixo do nível da rua, sendo necessário o aterro do terreno e em muitos casos, seria necessária a demolição das residências para regularização.

Segundo Faria Filho & Araújo (2003), em 1944 Ilhéus possuía 1.169 ha de manguezal e em 2002 essa área sofreu um decréscimo de 4,48%, passando para 1.116 ha. Portanto em 58 anos de expansão urbana, apenas 52 ha foram aterrados para instalação de bairros, o que não justifica a intensa degradação dos manguezais com conseqüente diminuição da população de peixes, caranguejos e crustáceos.

Observando-se a localização desses ecossistemas percebe-se que, no município de Ilhéus, os mesmos são formados nos estuários de duas bacias hidrográficas bastante povoadas e com intensivo uso agrícola dos solos, que são a bacia do rio Almada e do rio Cachoeira. A primeira abrange 07 municípios e a segunda 11. Destes, apenas Ilhéus e Itabuna apresentam alguns bairros com sistema de tratamento de esgoto, enquanto os demais municípios lançam seus efluentes domésticos, hospitalares e industriais, “in natura”, na rede de drenagem o que vem contaminando progressivamente os manguezais de Ilhéus.

Isso explica o número cada vez menor de moradores que utilizam o manguezal como meio de sobrevivência. Além disso, em entrevistas realizadas com comerciantes e catadores de caranguejo constatou-se que, as feiras livres e as barracas de praia, são abastecidas com caranguejos e mariscos vindos de outros municípios como Canavieiras, Pedras de Una (distrito de Una) e Nova Viçosa. Assim, Ilhéus, apesar de possuir área de 1.116 ha de manguezais não utiliza esse ecossitema como fornecedor de bens e serviços, o que poderia gerar renda para a população de baixo poder aquisitivo e fomentar a comercialização dos mariscos.

3.4 Consciência ambiental e necessidade de preservação

Aproximadamente 96% dos entrevistados acham importante a preservação do manguezal, e reconhecem o seu valor ecológico. No entanto, a consciência ambiental dos moradores restringe-se a concepção do ecossistema como fonte de alimento e assim, a necessidade de preservá-lo, é justificada para manutenção de peixes e mariscos. Funções outras tais como, berçário natural, filtro biológico natural, retenção de metais pesados, alternativas eco-turísticas, manutenção dos aspectos tradicionais e culturais das populações (Fidelman, 2002; Ramos, 2002) não foram mencionadas.

Os principais impactos ambientais registrados nos manguezais da área urbana de Ilhéus em decorrência da ação antrópica foram: aterramento para dar lugar a portos, estradas, agricultura, ocupações urbanas e industriais; derramamento de petróleo; lançamento de efluentes industriais e domésticos, agrotóxicos e resíduos sólidos (lixões); pesca predatória e captura de espécies em época de reprodução levando a diminuição do número de caranguejos e peixes. Resultados similares foram encontrados por Fidelman (2001), Ramos (2002), Gomes (2002) e Moreau et al. (2003) em estudos referentes a manguezais do município de Ilhéus.

Quanto às conseqüências da degradação ambiental, os moradores dos bairros estudados apenas identificaram que o lançamento de lixo e esgoto diretamente no manguezal poderia causar, no futuro, doenças e ser a causa atual da diminuição no número de peixes, caranguejo e mariscos. Apesar desse registro, apenas no São Domingos o presidente da associação de moradores declarou realizar periodicamente multirões para limpeza da área, mas os entrevistados das demais bairros não citaram nenhuma medida preventiva para evitar a degradação ambiental.

Ficou clara a acomodação por parte da população que habita estas áreas quanto a necessidade de preservar o ecossistema e a adoção de medidas com tais finalidades. Essa apatia contradiz o que afirma Bernardes & Ferreira (2003), que a intuição e a consciência individual também são fatores importantes para atingir o equilíbrio ecológico, cabendo a cada indivíduo mudar de atitudes, valores e estilos de vida, devendo assim partir de cada indivíduo, de cada comunidade a busca por alternativas de sustento e manejo da área para manter a preservação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os resultados obtidos, a ocupação das áreas na sua maioria, deu-se por invasão ou aquisição de imóveis pelo baixo valor no mercado. A população dos bairros estudados apresenta baixa renda e baixa escolaridade. Em todos os bairros estudados os efluentes domésticos são despejados no manguezal.

Os moradores que utilizam o mangue para pesca estão buscando outras fontes de renda, já que está ocorrendo uma diminuição de mariscos e crustáceos, e, segundo os moradores, os marisqueiros e pescadores respeitam a época de reprodução de peixes e mariscos.

Os impactos ambientais decorrentes da expansão urbana devem-se a falta de planejamento, pois o manguezal constitui-se em um ecossistema prioritariamente não habitável, que para tal fim são aterrados e desmatados por população de baixa renda, sem conclusão da educação básica, portanto com níveis precários de informações referentes à preservação ambiental. Este conjunto de fatores aliado a poluição dos rios por municípios à montante da bacia do Almada e Cachoeira, tem causado, aos manguezais de Ilhéus, contaminação pelo despejo de lixo, efluentes (domésticos, industriais e hospitalares) levando a uma gradativa e crescente extinção de espécies de peixes, crustáceos e mariscos.

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